Uma nova decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) deve acender o alerta nas áreas contábil e de recursos humanos das empresas brasileiras. Por maioria de votos, a 2ª Turma da Câmara Superior definiu que o fornecimento do vale-transporte sem o desconto obrigatório de 6% do salário do colaborador descaracteriza o benefício e o transforma em salário indireto — e, portanto, sujeito à contribuição previdenciária.
A prática, adotada por muitas empresas como forma de valorização e retenção de talentos, poderá agora representar um passivo trabalhista relevante. Isso porque a decisão consolida o entendimento de que a ausência do desconto previsto na Lei nº 7.418/85, que regula o vale-transporte, altera a natureza jurídica do valor pago ao colaborador.
De acordo com a conselheira relatora, Ludmila Mara Monteiro de Oliveira, a legislação é clara: a obrigação do empregador se limita ao valor que excede os 6% de participação do empregado. Ao assumir a integralidade do benefício sem o desconto, a empresa atua com “mera liberalidade”, o que descaracteriza a natureza indenizatória do vale-transporte e o insere no conceito de salário de contribuição.
Essa interpretação foi reforçada com a distinção feita em relação à Súmula Carf nº 89, que exclui da base de cálculo da contribuição previdenciária apenas o vale-transporte pago em pecúnia. No caso julgado, o benefício era concedido por meio tradicional — porém sem o cumprimento do desconto legal. Para a relatora, isso configura um fornecimento em desacordo com a lei, o que justifica a incidência de tributos.
Apesar da divergência de dois conselheiros, que argumentaram que o desconto de 6% seria facultativo e que a natureza indenizatória se manteria mesmo sem a participação do empregado, o entendimento da maioria prevaleceu. E com ele, abre-se um precedente com potencial para impactar empresas de diferentes setores que mantêm políticas internas mais flexíveis quanto ao custeio do vale-transporte.
O que isso significa na prática?
Empresas que optam por subsidiar integralmente o deslocamento de seus colaboradores precisam reavaliar essa política. Embora a intenção possa ser positiva do ponto de vista da valorização do capital humano, a ausência do desconto legal transforma esse gesto em uma obrigação adicional: recolher contribuição previdenciária sobre o valor repassado. E isso pode significar custos retroativos e autuações fiscais inesperadas.
Além disso, a decisão amplia o escopo de fiscalização da Receita Federal, que agora poderá considerar essa prática como irregularidade trabalhista com repercussões tributárias. A depender do porte da empresa e do número de funcionários, o impacto pode ser significativo tanto em termos financeiros quanto de compliance.
Num ambiente regulatório em constante mudança, decisões como essa reforçam a importância de acompanhar de perto o posicionamento dos órgãos julgadores — especialmente quando envolvem temas que afetam diretamente a folha de pagamento e os encargos sobre ela.
O caso julgado pelo Carf é um exemplo claro de como boas intenções podem gerar obrigações inesperadas quando não alinhadas à legislação. O desejo de beneficiar o colaborador é legítimo, mas ele precisa respeitar os limites legais para não se transformar em custo adicional ou risco fiscal.
Para o empresário atento, esta é a hora de agir preventivamente: revisar políticas, ajustar procedimentos e garantir que cada benefício concedido esteja em conformidade com a legislação vigente. Isso pode representar não só economia, mas também segurança jurídica e tranquilidade na gestão do negócio.
Por que isso é importante?
Empresas que oferecem vale-transporte sem o desconto obrigatório de 6% passam a correr o risco de serem autuadas por não recolhimento da contribuição previdenciária, acumulando passivos tributários significativos.
A decisão do Carf sinaliza a necessidade de alinhamento estrito com o que está previsto na Lei nº 7.418/85. Políticas que pareciam generosas podem ser interpretadas como descumprimento legal.
A inclusão do valor total do vale-transporte na base de cálculo da contribuição previdenciária pode aumentar substancialmente os encargos sobre a folha, principalmente em empresas com grande número de colaboradores.
Com a jurisprudência administrativa se consolidando nessa direção, é hora de repensar estratégias de gestão de benefícios para evitar surpresas futuras e garantir conformidade fiscal contínua.
Empresas que identificarem essa prática em seus históricos recentes ainda podem buscar alternativas para regularizar a situação com menor impacto, reduzindo juros e multas em negociações com o Fisco.